Nota da ISP – Federação Sindical Internacional de Serviços Públicos.
As reformas que atacam os direitos de toda a população, as características do sistema tributário brasileiro e a luta contra o sucateamento dos serviços públicos: o que todas essas coisas têm a ver com os mecanismos de sonegação fiscal e elisão fiscal das empresas multinacionais através dos paraísos fiscais? Por que a Justiça Fiscal é um assunto importante para os sindicatos de serviços públicos?
A ideia de que a carga tributária no Brasil é a mais alta do mundo é repetida diariamente, e já virou um discurso adotado por muitxs brasileirxs. Essa é uma ideia equivocada, que é reforçada diariamente na televisão, nos grandes jornais e em grandes campanhas publicitárias do empresariado brasileiro – tal como o pato amarelo da FIESP.
Na realidade, o verdadeiro problema da tributação no Brasil não está na quantidade de impostos, e sim na forma injusta como os impostos são cobrados no Brasil. A tabela abaixo demonstra como a carga tributária afeta a renda dxs brasileirxs:
No Brasil, as rendas menores são mais afetadas pela carga tributária do que as rendas maiores. Ou seja: no Brasil, os mais ricos pagam menos e os mais pobres pagam mais¹.
Portanto, quando falamos em Justiça Fiscal, estamos falando de justiça social. Porque tirar pouco de quem tem muito e tirar muito de quem tem pouco significa continuar e aprofundar a desigualdade social que existe em nosso país.
Nesse sentido, é importante destacar que uma das formas de se combater a desigualdade social são justamente os serviços públicos de qualidade. A saúde, a educação, o saneamento básico, e toda a diversidade de serviços vitais que devem ser acessíveis para toda a população precisam do financiamento com os recursos públicos que vêm da arrecadação fiscal.
Portanto, se a arrecadação fiscal não funciona bem, a consequência é a falta de recursos para garantir a existência dos serviços públicos de qualidade. Toda a população sai perdendo, e isso prejudica mais as camadas com maior vulnerabilidade social, que necessariamente dependem dos serviços públicos. E, no caso dxs trabalhadorxs dos serviços públicos, a falta de financiamento dos serviços públicos significa também a perda de postos de trabalho e de direitos conquistados historicamente, pois as entidades sindicais se deparam frequentemente com o argumento do gestor de que não existe mais verba nos cofres.
Sonegação fiscal, elisão fiscal e isenção fiscal
No Brasil, além do problema da carga tributária que recai de maneira injusta sobre as diferentes classes sociais, existe também a questão dos montantes sonegados e eludidos por indivíduos milionários e pelas empresas privadas nacionais e multinacionais.
A sonegação fiscal e a elisão fiscal são amplamente praticadas por empresas e alguns indivíduos, os chamados “super-ricos”. Pela facilidade das empresas escaparem da tributação no Brasil, um relatório recente da ONU² considera o país um “paraíso tributário” para os “super-ricos”, uma vez que, em média, eles pagam uma taxa efetiva de apenas 7% de encargos.
Evasão e Sonegação Fiscal: são os atos ilegais realizados com o objetivo de não pagar ou de diminuir o pagamento de impostos
Elisão fiscal: são os atos legais realizados com o objetivo de reduzir a taxação. Normalmente ocorrem através de lacunas jurídicas que permitem que empresas e indivíduos mais ricos utilizem brechas na lei para pagar menos impostos. A elisão fiscal não é ilegal, e sim imoral, porque significa que empresas e os mais ricos se beneficiam à custa da sociedade.
Além disso, escândalos internacionais recentes – como o LuxLeaks, Swiss Leaks, Panama Papers e Malta Files – conseguiram romper a falta de transparência dos paraísos fiscais e divulgaram os nomes de alguns brasileiros que se beneficiaram dessas manobras. Entre eles aparecem empreiteiras, o grupo JBS, todas as empresas que compõem o oligopólio midiático – Grupo Abril, Globo, Estadão e SBT – e diversas figuras políticas. A presença desses atores nas denúncias sobre os paraísos fiscais explica muito do silêncio da grande mídia e do Congresso diante dessas notícias, e a preferência pelo discurso que critica a alta carga tributária no Brasil, utilizado para desviar a atenção de debates mais consistentes sobre as relações entre a injustiça tributária e a impunidade em nosso país.
Paraísos Fiscais: são jurisdições com tributação muito baixa ou nenhuma tributação. Normalmente são os destinos finais da verba sonegada ou elidida nos países.
E qual é o tamanho do prejuízo para os cofres públicos? Segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (SINPROFAZ), somente em 2014 o Brasil teria perdido cerca de R$ 500 bilhões para a sonegação fiscal, e empresas e indivíduos milionários foram responsáveis por 80% desse total. A título de comparação, em 2014, as perdas do Brasil por causa da corrupção correspondem a um valor sete vezes menor do que esse valor que deixou de ser arrecadado por conta da sonegação fiscal³.
Além da sonegação e da elisão fiscal, existe um terceiro instrumento que livra as empresas privadas nacionais e multinacionais do pagamento de impostos: as isenções fiscais concedidas pelo Estado.
Isenções/Incentivos Fiscais: políticas estatais que liberam determinadas empresas do pagamento de tributos.
Para atrair empresas para determinados locais, os governantes decidem abrir mão de ingressos tributários das empresas, com a justificativa de estimular a economia e gerar empregos. O estímulo da economia e a geração de empregos são motivos justos. Porém, o problema é que as isenções fiscais não passam por controle social; elas são concedidas sem debate e em processos sem transparência: bilhões de reais deixam de ser arrecadados, sem esclarecimentos e análises suficientes sobre contrapartidas e impactos socioeconômicos
Em muitos casos, os benefícios fiscais são dados para o empresariado que possui vínculos pessoais com os governantes, por exemplo, como forma de retribuir as “doações” empresariais para as campanhas eleitorais. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, em 2013 as isenções fiscais para as grandes empresas foram seis vezes maiores do que o orçamento estadual para a saúde (R$ 32,3 bilhões vs R$ 5,2 bilhões). Hoje, o Estado do Rio de Janeiro se encontra financeiramente quebrado, com diversos serviços públicos sucateados e na mira da privatização, e xs trabalhadorxs dos serviços públicos estão com seus direitos básicos comprometidos, como o pagamento dos salários e das aposentadorias. Como exemplo podemos usar o caso da CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), uma vez que o governo e a assembleia estadual aprovaram sua privatização recentemente, já que esta era a condição mínima para que o Rio de Janeiro recebesse um empréstimo da União para ajudar sanar a crise.
O papel dos sindicatos na defesa da Justiça Fiscal
Para os sindicatos dos serviços públicos, é fundamental conhecer o funcionamento básico do sistema tributário e os mecanismos relacionados à arrecadação de impostos e ao não pagamento dos impostos. Essas informações são instrumentos importantes para que o movimento sindical responda ao discurso de muitos governos, que utilizam a crise econômica como a justificativa para a redução do papel do Estado, diminuindo o fornecimento de serviços públicos e eliminando os postos de trabalho no setor público. É preciso questionar e contestar o argumento da crise econômica, que é usada como a justificativa para a precarização das condições de trabalho e a precarização da vida de modo geral.
O financiamento dos serviços públicos não é só uma questão de recursos financeiros, e sim uma questão de vontade política: porque o Estado tem o dever de garantir que todos os cidadãos e cidadãs, e que todas as empresas nacionais e transnacionais paguem a sua parcela justa de impostos.
Diante de todos esses aspectos, a ISP reafirma o seu compromisso com a defesa e a promoção da Justiça Fiscal nos países e em nível mundial, como continuidade, aprofundamento e fortalecimento de nossa luta em defesa e promoção dos serviços públicos de qualidade e dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores dos serviços públicos, em nome do bem-estar de todas as comunidades.
Portanto, convidamos todas as entidades filiadas à ISP a se juntarem nessa luta, ampliando o diálogo e somando nossas vozes com cada vez mais organizações sindicais e com os movimentos sociais, em cada país e em todo o mundo.
Por Justiça Fiscal para os Serviços Públicos, Por justiça social e por mais direitos para todas e todos, Porque as pessoas estão acima do lucro.
ISP Brasil Junho de 2017
Links recomendados:
Para o acompanhamento das informações sobre Justiça Fiscal:
- ISP Mundial: http://www.world-psi.org/es/issue/tributacion
- REBRIP – Rede Brasileira pela Integração dos Povos: http://www.rebrip.org.br/noticias/?pfocal=gt-justica-fiscal
Mais informações sobre as denúncias internacionais sobre paraísos fiscais:
- Panamá Papers: http://www.world-psi.org/pt/escandalo-do-panama-papers-demonstra-necessidade-de-aprimorarlegislacao-tributaria-internacional
- Malta Files: https://theintercept.com/2017/05/23/malta-files-revela-que-148-brasileiros-tem-firmas-em-paisutilizado-para-evasao-de-impostos/
- LuxLeaks: https://br.sputniknews.com/portuguese.ruvr.ru/news/2014_12_12/Lux-Leaks-o-esquema-perfeitodas-multinacionais-4383/
- Swiss Leaks: http://www.ebc.com.br/noticias/2015/02/swiss-leaks-entenda-fraude-fiscal-no-hsbc
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