(…) “Reclamações na área do trabalho atinge preceitos de ordem pública e de dispositivos de ordem cogente, que disciplinam direitos indisponíveis, o que implica, por consequência, a limitação da autonomia de vontade das partes na busca de solução anterior à ação judicial”.
Tribunais arbitrais, apesar de poderem trabalhar na esfera da Justiça Comum, não possuem competência para dispor de direitos trabalhistas. A decisão da 3ª Turma do TRT2 se deu em julgamento de embargos de declaração, opostos pelo SBT, que aduziu que, em acórdão da Turma, nada foi mencionado acerca dos efeitos da sentença anterior a uma ação judicial.
Para a desembargadora Mércia Tomazinho, não há omissão ou necessidade de esclarecimento, uma vez que “o uso da arbitragem é destinado para solução dos litígios que envolvam direitos patrimoniais disponíveis”, aqueles que dependem da vontade ou autonomia das partes envolvidas para serem exercidos.
De acordo com a magistrada, o Direito do Trabalho é composto de preceitos de ordem pública e de dispositivos de ordem cogente, que disciplinam direitos indisponíveis, o que implica, por consequência, a limitação da autonomia de vontade das partes.
A sentenciante afirma que o acórdão esclarece que “não detém o referido Tribunal competência conferida por lei para celebração de acordos decorrentes da relação de trabalho, já que os direitos trabalhistas são indisponíveis”.
Com entendimento não unânime, a relatora reformou a decisão de origem, que extinguiu o processo sem resolução do mérito, e afastou a ocorrência de coisa julgada, não reconhecendo o acordo firmado entre as partes para fins trabalhistas.
Processo nº: 03360006020035020382 – RO
STF anula sentença arbitral de trabalhador contratado pela ONU
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou inválida cláusula arbitral firmada entre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) – e um digitador, com o objetivo de solucionar conflito trabalhista por meio da arbitragem. A Sexta Turma reformou acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/Tocantins) que entendeu ser a ONU/PNUD imune à jurisdição trabalhista brasileira.
Segundo a petição inicial, o trabalhador havia sido contratado pela ONU/PNUD em dezembro de 1999 para prestar serviços de digitação em órgãos públicos federais. Contudo, em agosto de 2001, o digitador sofreu acidente automobilístico, ficando tetraplégico. Após o acidente, o contrato foi rompido e o trabalhador não recebera qualquer verba rescisória da entidade. Diante disso, a família do digitador propôs ação trabalhista contra o organismo internacional, requerendo o pagamento de indenização por danos morais e materiais e o recebimento de verbas trabalhistas como FGTS, 13° salário e horas extras. Entretanto, a entidade alegou possuir imunidade de jurisdição quanto à justiça do trabalho, conforme disposto no artigo II, Seção 2, da Convenção sobre Privilégios e Imunidade das Nações Unidas.
Esse dispositivo estabeleceu que a Organização das Nações Unidas, os seus bens e patrimônio, onde quer que estejam situados e independentemente do seu detentor, gozam de imunidade de qualquer procedimento judicial, salvo na medida em que a Organização a ela tenha renunciado expressamente num determinado caso. A imunidade de jurisdição é um instituto do direito internacional que impede que os Estados estrangeiros e os organismos internacionais se submetam forçosamente ao alcance jurisdicional das cortes nacionais de outras nações. Ao analisar o pedido da família, o juízo de primeiro grau rejeitou a alegação do organismo internacional e confirmou a sua jurisdição para julgar a ação.
Diante disso, a ONU/PNUD recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/Tocantins), reiterando a sua imunidade de jurisdição. O TRT, por sua vez, entendeu que a entidade possuía, sim, a imunidade, pois havia cumprido a obrigação imposta pelo artigo VIII, Seção 29, da Convenção sobre Privilégios e Imunidade das Nações Unidas. Esse artigo dispôs que a Organização das Nações Unidas, deverá adotar meios adequados para a resolução de controvérsias resultantes dos contratos com particular. Para o TRT, a ONU/PNUD – ao estabelecer cláusula compromissória no contrato de serviço com o digitador, pelo qual remeteria a solução de eventuais litígios à arbitragem – atendeu a exigência imposta pelo artigo VIII, Seção 29, fazendo jus, assim, à imunidade de jurisdição.
O acórdão do Regional reiterou ainda que a obrigação de remeter o litígio à arbitragem era ônus do trabalhador, não havendo que se falar em omissão por parte do organismo internacional, aspecto alegado pela família do digitador. Com isso, o TRT extinguiu o processo sem resolução de mérito, pela não submissão da ação ao processo arbitral. A arbitragem é o meio alternativo de solução de litígios sem intervenção de um juiz de direito ou qualquer outro órgão estatal. Essa modalidade foi estabelecida pela Lei n° 9.307/96. Inconformada, a família do trabalhador interpôs recurso de revista ao TST, alegando ser a arbitragem uma mera faculdade das partes, e não obrigação, sob pena de se impedir o acesso ao Poder Judiciário.
O relator da revista na Sexta Turma, ministro Augusto César de Carvalho, deu razão à família do trabalhador. Segundo o ministro, a jurisprudência dominante no TST é de que o organismo internacional possui imunidade de jurisdição absoluta. Contudo, quanto à cláusula arbitral, ressaltou o relator, o Tribunal considera ser vedada a aplicação de cláusula compromissória arbitral para a resolução de conflitos perante a Justiça do Trabalho. Isso porque os direitos trabalhistas são bens jurídicos indisponíveis e irrenunciáveis, pois oriundos de uma relação desigual (empregado e empregador).
Por fim, Augusto César de Carvalho ressaltou que a decisão do TRT – ao conceder validade à cláusula arbitral – violou o princípio do amplo acesso à Justiça (artigo 5°, XXXV, da Constituição Federal de 1988), na medida em que impediu o trabalhador de ter sua pretensão imediatamente analisada pelo Poder Judiciário. Assim, a Sexta Turma, ao seguir o voto do relator, decidiu, por unanimidade, afastar a extinção do processo sem resolução do mérito e determinou o retorno dos autos ao TRT para prosseguir no julgamento. (RR-94200-84.2003.5.10.0003).